Cultura e contracultura - relações interdisciplinares

domingo, 24 de fevereiro de 2013

                  O DEMIURGO, de Jorge Mautner (1970)


                                                                                                      "O filme é uma farsa, uma fábula"
                                                                                                                                 (Jorge Mautner)

Por ocasião da estreia no Espaço Itaú de Cinema do documentário "Jorge Mautner - O Filho do Holocausto", de Pedro Bial e Heitor d'Alincourt (2011), baseado em livro do próprio com o mesmo título (Rio de Janeiro, Agir, 2006), veio a tona um filme realizado por Mautner em Londres com os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil e visto por poucos. Eu o assisti no Teatro Oficina,  por volta de 1972,  e agora entendo porque o filme não foi apresentado em sala de cinema, mas em "espaço cultural". E no ano passado eu assisti do documentário no Festival "Tudo é Verdade", na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, no encerramento do festival (31/03/ 2012), uma semana antes de viajar para Nova Orleans, onde faria uma palestra sobre os "ícones da contracultura brasileira", na Universidade Tulane, a convite do professor Christopher Dunn, brasilianista especializado no tropicalismo, sobre o qual publicou um livro indispensável: Brutalidade Jardim. A Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira (São Paulo, Unesp, 2009).

Revi o filme na semana passada, quarta-feira, 20/02/2013, a tarde, e assisti o "Encontro com Jorge Mautner", no Centro da Cultura Judaica, em que Jorge Mautner dialogou com José Miguel Wisnik (professor da USP, mas também compositor, tendo músicas em parceria com Mautner,  e Carlos Rennó, compositor, com, entre outras coisas, um belo trabalho com versões de Cole Porter. O papo foi muito bom, profundo e divertido, com até uma canja a capella dos participantes no final. Mérito de Yael Steiner, diretora do Centro da Cultura Judaica, sempre organizando eventos interessantes neste importante espaço cultural. Eu tinha uma pergunta a fazer a Jorge Mautner, mas, talvez por timidez (ou bom senso, sei lá)  não a fiz. O que pretendo fazer brevemente com mais tempo para conversar pessoalmente com um artista que admiro desde a juventude.
E, por isso, quando estive em Nova Orleans, cidade que pretendo voltar muitas vezes em minha vida, escrevi algumas anotações sobre o filme que agora é tratado com destaque no documentário de Bial e d'Alincourt, que servirá de base para um estudo mais profundo sobre a obra de Jorge Mautner, um dos 3 ícones da contracultura brasileira tratados na palestra no Departamento de Português e Espanhol da Tulane University. Os outros dois escolhidos foram José Agrippino de Paula e Luis Carlos Maciel.

Segue adiante as anotações feitas em Nova Orleans para o debate sobre o filme "O Demiurgo":

O próprio Mautner brinca com a realização deste filme realizado em Londres em 1970, ao conversar com Caetano Veloso e Gilberto Gil durante as filmagens (e mantidas) no documentário de Pedro Bial e Heitor d'Alincourt, "Jorge Mautner - O Filho do Holocausto". Mautner declara que "O demiurgo" é uma "chanchada filosófica", mas também declara ser uma homenagem a Caetano Veloso, então exilado pela ditadura militar brasileira em Londres; Caetano sim, brinca muito no filme e parece não o levar a sério até hoje, aparentemente com aval de Mautner.
Mas ou Mautner pensa o mesmo, o que não creio, mas exatamente por levar a sério sua experiência cinematográfica, esconde suas fontes, o que permitiria uma chave mais consistente sobre o filme, que está merecendo ser estudado e debatido, com o que pretendo fazer aqui em Tulane.

Ruth Mendes, que foi esposa de Jorge Mautner por 15 anos, mãe de Amora Mautner, e que manteve uma profunda amizade com ele depois de separados, dá um um interessante depoimento em março de 2002 a Sérgio Cohn e Juliano de Fiore, incorporado na publicação da Azougue das obras completas de Mautner (Trajetória do Kaos. Rio de Janeiro, Azougue, 2002 ). Em primeiro lugar, ela afirma que é um filme feito para Caetano Veloso (talvez por isto ele achar tanta graça no filme, e não por desrespeito). E Ruth Mendes lembra que é o único registro fílmico do exílio dos tropicalistas (só por isto, o filme tem uma importância documental extraordinária). O dinheiro que empregaram no filme era guardado para dar entrada em um apartamento em Ipanema. A produção foi de Arthur de Mello Guimarães e sua mulher Maria Helena Guimarães. Os negativos foram das sobras do filme "Queimada" (Gillo Pontocorvo, 1969), que teve Marlon Brando no elenco. Aliás, diz Ruth, "é por conta da extrema qualidade desses negativos que o filme está em ótima qualidade até hoje". Alguns profissionais foram remunerados, como o editor e o diretor de fotografia, um inglês, que ainda segundo Ruth, realizou uma fotografia simples, mesmo "não entendendo muito bem o que a gente queria". A fotografia é clássica, o filme é experimental no conteúdo, bem ao modo de Mautner. Uma aventura corajosa: "Todo o nosso dinheiro foi investido neste filme, que no fim acabou nunca dando lucro algum".

Um filme experimental de contracultura, feito no contexto do exílio dos tropicalistas, mas um filme ambicioso, nada simples. Mesmo a censura no Brasil o comparou a um filme colegial, amador, naïf. O filme não foi liberado a princípio, só depois de muita negociação, e mesmo assim com restrições, explica Ruth: "O filme não tinha sido liberado porque ninguém conseguia entender de resto o que acontecia, parecia ingênuo demais que devia ter algo por trás daquilo". O filme fala de Nietzsche e coisas aparentemente amenas, como se Nietzsche fosse ameno, claro. E a censura, deconfiando, ou por burrice, do que poderia estar por trás do filme,  não lhe concedeu o "Certificado de Qualidade", que permitiria sua distribuição comercial  "O Demiurgo" foi,  então, classificado como "Arte", que parecia ser um mérito, mas só o liberava para espaços culturais, inviabilizando assim sua exibição comercial nos cinemas. Eu mesmo vi o filme, como disse acima, com amigos do ensino médio, no Teatro Oficina, por volta de 1972, quando participava de um grupo de teatro amador. Mas o filme não é simples, e merece ser debatido. O que proponho a seguir é um roteiro não conclusivo. É que tenho uma suspeita, que em parte apresentei na palestra em Tulane.

Uma suspeita do que está na base filosófica de Jorge Mautner (até aí ele já diz isso),  de sua adolescência em São Paulo, quando frequentava a casa do filósofo Vicente Ferreira da Silva e sua mulher, a poetisa Dora Ferreira da Silva.

Vicente Ferreira da Silva (1916-1963)

Muitos jovens frequentavam  a casa deste filósofo no final dos anos 1950 em São Paulo. Até o futuro professor de filosofia da USP,  José Arthur Gianotti,  chegou a participar dos acalorados debates na casa de Vicente Ferreira da Silva, como declara em seu depoimento sobre seu contato com Vilém Flusser, um pensador tcheco que viveu um bom tempo no Brasil e hoje cada vez mais reconhecido na Europa como um dos principais pensadores da 2ª metade do século XX.  Mas Vicente Ferreira da Silva não foi aceito no Departamento de Filosofia da USP, mesmo tendo escrito vários livros desde a década de 1940 (foi o introdutor da Lógica no Brasil). A alegação foi que sua formação acadêmica foi em Direito, na própria USP, não em filosofia. Mas talvez a motivação tenha sido ideológica, por suas supostas simpatias pelo integralismo. E também Vicente Ferreira da Silva morreu muito jovem, aos 47 anos, no ano de 1963, em um desastre de automóvel. Para Vilém Flusser, que também morreu em um desastre de automóvel nos anos 1990, quando voltava para sua cidade natal, Praga, depois de longos anos de exílio; Vicente Ferreira da Silva foi,  no século XX, o único filósofo brasileiro autêntico, com pensamento próprio, fincado nas origens da fenomenologia, mas principalmente nas tradições católicas e africanas do Brasil, o que o torna um pensador singular, que vem despertando estudos recentes que buscam tirar uma mancha ideológica (uma raiz integralista), no mesmo sentido em que se questiona as bases nazistas no pensamento de Heidegger.
Mautner frequentava a casa de Vicente e Dora aos 16 anos de idade, quando começou a escrever o romance Deus da Chuva e da Morte, só publicado em 1962. Em dezembo de 1960, assim a poetisa Dora Ferreira da Silva descreveu o jovem poeta de 19 anos: "Os fragmentos aqui publicados dois  livros de George (o Jorge veio depois) Henrique Mautner darão uma ideia do talento desse jovem, que, para além linguagem herdada e dos propósitos definidos de uma cultura, enfrenta o caos de um novo por dizer" (Revista Diálogo).
Mas é na filosofia de Vicente Ferreira da Silva que podemos encontrar uma pista para as bases epistomológicas do jovem artista, romancista, poeta e músico. Ferreira da Silva publicou na revista Letras e Artes (Rio de Janeiro, 07 de março de 1948) um interessante, e estimulante, ensaio intitulado exatamente "O demiurgo", onde indica as fontes na "aurora do mundo" da relação entre o mundo interior (alma) e o mundo objetivo, que chamamos de realidade; uma figura viva, já indicada por Platão em Timeu, que é um intermediário entre o mundo subjetivo e o objetivo. Esta figura é o demiurgo, mas também pode ser um filósofo ou, talvez até contrariando Platão de outros textos, um Poeta. Esta figura, associada aos antigos mestres (os verdadeiros, antes de Sócrates e, portanto, de Platão) interessou também, conforme Ferreira da Silva, a Nietzsche, para quem o filósofo deveria ser "um criador de valores e de novos mundos". O demiurgo é, portanto, um intermediário entre dois mundos: o divino e o humano. Um arquétipo muito caro ao jovem nietzscheniano como Mautner, ele próprio se enxergando narcisicamente como um, mesmo que se espelhando em Caetano Veloso, para quem o filme foi feito. Conclui Ferreira da Silva de uma forma muito clara, e pertinente às imagens que se sobressaem no filme:  "O Demiurgo será  assim esse semideus, esse herói, esse fundador capaz de despertar no coração do homem a sede de realizações inéditas.Com a instauração de uma nova tábua de valores, novos sentidos embebem as coisas, marcam-se as linhas divisórias, polariza-se o real. E assistimos então uma nova Gênese, a um novo nascimento, a um novo batismo "(in: Transcendência do Mundo. Obras completas. Organização, edição de texto e notas de Rodrigo Petronio. São Paulo: É Realizações, 2010, 215-218).
Vendo-se por este prisma, pode haver algo mais contracultural  que isto?  Não seria também por esta razão ser tão difícil entender pela ótica da razão o filme "O Demiurgo"?   O filme pode não ter no sentido formal a força da arte experimental dos anos da contracultura, mas com certeza apresenta um conteúdo novo, contemporâneo, de um devir que ainda não nos demos conta, confirmando o poeta como profeta. Como um Nietzsche para o século XXI.
                                                                   (Nova Orleans, 9-10/04/2012).

Notas acrescidas em 24/02/2013.
1. Após reler o livro e rever o filme, principalmente após o debate no Centro da Cultura Judaica em 20/02/2013, quero deixar bem claro que a base fundamental na Bildung de Jorge Mautner, como relata com tanta precisão, tanto no livro como no documentário,  está em sua peculiar origem familiar, com um pai judeu alemão, intelectual fugido do nazismo, uma mãe austríaca católica (que estava grávida dele no navio em que veio ao Brasil), um padrasto músico da Orquestra Sinfônica e uma babá nos primeiros anos, ainda no Rio de Janeiro, mãe de santo do candomblé. Mas parece-me que em sua juventude em São Paulo, ainda aluno do Colégio Dante Alighieri, quando se reúne a um grupo de poetas beatniks (Claudio Willer, Roberto Piva e outros), foi decisivo aquele encontro com o filósofo Vicente Ferreira da Silva, que lhe esclareceu o "amálgama" da cultura brasileira que ele tanto ama. Como diz Caetano Veloso no prefácio do livro (Jorge Mautner - O Filho do Holocausto. Memórias (1941 a 1958). Rio de Janeiro: Agir, 2006): "Jorge Mautner, filho do holocausto, filho do Brasil".
2.  Em sua autobiografia intelectual, Vilém Flusser aponta, entre outros méritos do pensamento de Vicente Ferreira da Silva, uma profunda atualidade no final do século XX, com perspectivas para o século vindouro: "Basta dizer que toda uma série de ideias radicais que irão sacudir o pensamento ocidental atualmente, ideias geralmente associadas com a "nova esquerda", com o movimento hippie, com a "segunda revolução americana", e com a "revolução cultural chinesa", se acham não apenas prefiguradas, mas elaboradas no pensamento de Vicente, e que tais ideias revelam aspectos de Vicente que ainda continuam apenas implícitos nas tendências da atualidade". (Bodenlos. Uma autobiografia intelectual. São Paulo: Annablume, 2007, pág. 111).



sábado, 12 de novembro de 2011

O que é ser hippie?

  Desde minha juventude, no final dos anos 60 e começo dos 70 do século XX, me pergunto o que é ser hippie? Se eu era hippie, se adotava uma ética hippie (no sentido do paz e amor), uma estética (sem saber seu significado), um comportamento. Por outro lado, era muito careta, sempre temi perder o controle das coisas, principalmente de mim mesmo. Quando me foi oferecido, por um amigo querido, uma pastilha de ácido, recusei. Eu achava que já sabia tudo só lendo sobre. Fiquei feliz ao ler o livro de Caetano Veloso, um de meus ídolos desde sempre, que ele é também não aderiu ao festival de drogas que sua época permitia (hoje, confesso, mais um circo dos horrores). Não se trata, nem ele faz isto, de um julgamento moral dos que se entupiram (pelos tragos, pelas veias e pelas narinas, pelas bocas) nos anos loucos. Muitos sobreviveram para contar a história, outros viraram personagens de um poema hoje clássico de Allen Ginsberg..... (continuo esta reflexão assim que puder, assim que voltar de uma viagem).....

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Existe vida inteligente na televisão? O caso de "Cordel Encantado"

   Em curso de Pós-graduação Latu Senso na FAAP, Gestão e Produção Executiva em Televisão, leciono em alguns sábados a disciplina Crítica de Televisão. Foi uma ideia do professor Vagner Matrone, coordenador do curso, pois julga importante os pós-graduandos em gestão de televisão terem contato também com uma visão intelectual e acadêmica sobre o tema, já que  o curso é voltado para profissionais. Entre os temas que desenvolvo, destaco conceitos de cultura, entretenimento, contracultura e finalmente, uma provocação, a partir de uma pergunta: existe vida inteligente na televisão?
   No último sábado, 24/09/2011, última aula da turma 8, os grupos apresentaram seus trabalhos, e curiosamente, o que predominou nos temas dos projetos foi a pergunta provocativa. Minha expectativa - sem prejuízo na avaliação - é que predominasse meu maior investimento no conteúdo, que o tema sobre a compatibilidade ou não da contracultura com o mainstream.
   Mas o que predominou foram tentativas, algumas bem originais, em responder a questão de forma positiva. Foram projetos de programas "inteligentes".
  
   Curiosamente, no mesmo dia em que se encerrava uma das maiores surpresas dos últimos anos em matéria de mainstream: a telenovela "Cordel Encantado", no horário das 18 horas, na Rede Globo de Televisão.
   Dirigida por Amora Mautner, filha de Jorge Mautner, escrita por , dedicou a novela aos cordelistas e tropicalistas, "que nos reinventaram"...
   E sobre o que pretendo escrever aqui na seqüência.....

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Revendo Sem Destino

   Na última  terça-feira, dia 06 de setembro, véspera do feriado da independência do Brasil, revi o filme "Sem Destino" (EUA, Easy Rider, Dennis Hopper, 1969) com alunos do Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na disciplina optativa para mestrandos e doutorandos, "Cultura e Contracultura - Relações Interdisciplinares", que divido com a professora Maria Aparecida de Aquino.
   Após o filme, tivemos um tempinho para discutir o filme, que já devo ter visto mais de vinte vezes. E cada vez que assisto, me emociono de uma forma diferente. Isto é o que define, segundo Ítalo Calvino, uma obra clássica. E "Sem Destino" é um filme clássico!!!...  Clássico por ser utilizado em uma sala de aula, mas também clássico porque quase todo mundo "letrado" em cinema contemporâneo já assistiu, ou pelo menos, já ouviu falar de um filme que conta a história de dois motoqueiros chapados que atravessam os Estados Unidos em busca de um carnaval em New Orleans.
   Clássico é para Calvino, referindo-se a livros, uma obra que quase todo mundo conhece mesmo sem ter lido, ou visto, mas principalmente é uma obra que a cada vez que é revista, é uma obra nova, surpreendente. E "Sem Destino" é isso, uma obra que apesar de ser extremamente datada (Dom Quixote também é), pode ser vista sempre como uma novidade.
   Lembro-me bem quando assisti o filme pela primeira vez, no início dos anos 1970 (não tenho certeza se em 1970 mesmo, ou início de 1971), em um cinema da Avenida Paulista (não tenho certeza, mas pode ter sido o Cine Astor, onde hoje é a Livraria Cultura). Estava só e deprimido; sem namorada, sem paixão, sem nada, um horror para um romântico como eu. Um jovem de 19 anos,  cabeludo meio metido a hippie, morando na periferia de São Paulo. Era um sábado, sem escola, sem trabalho, peguei os vários ônibus que me levavam a atravessar a cidade. Disse à minha mãe que não me esperasse para o almoço, só voltaria à noite. Assisti o filme na primeira sessão da tarde e fiquei pasmo, perplexo, emocionado.
   Impactado com o filme, não sai do cinema quando terminou a primeira sessão  para poder ver mais uma vez (naquele tempo se podia ficar no cinema quantas sessões quisesse). Ao término do reprise, já no final da tarde, sol se pondo, sai refletindo sobre o que tinha presenciado. Mas não me lembro o quê. Só me lembro que havia adorado o filme, mas que me deixava ainda mais melancólico, sem saber por quê. Alguma coisa no mundo acontecia. Mesmo assim, não voltei para casa. Comi um lanche, e entrei em outro cinema, para assistir um filme ainda mais pesado: "Perdidos na Noite" (EUA, "Midnight Cowboy", John Schlesinger, 1969).
   Hoje eu sei, em "Sem Destino", a viagem de Los Angeles a New Orleans; em "Perdidos na Noite", a chegada de dois sujeitos em Nova York. Muita informação em um dia só. Dois grandes filmes.
   Só voltei para casa no final da noite iluminado, triste, mas iluminado, um verdadeiro hipster. Será, ou isto é um mito, como diria Paulo Coelho, uma construção de uma lenda pessoal?...
  
   O tempo passou, claro, atingi a chamada idade da razão, e me afastei daqueles "delírios juvenis", mas "Sem Destino" sempre me emociona, sempre me intriga, sempre me faz pensar, principalmente agora que venho pesquisando a contracultura através de uma perpectiva interdisciplinar em cultura e artes.
  
   Vou tentar resumir como vejo o filme hoje.
   Dois sujeitos - Wyatt  (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) - compram drogas de um traficante, mais exatamente cocaína, e a revendem nas redondezas do LAX, o Aeroporto de Los Angeles, para um jovem milionário que chega em uma limousine. Com o dinheiro ganho, sabemos só pelas imagens, compram motocicletas novas - tenho dúvidas se são Harley Davidson mesmo -  e partem para a estrada, cujo destino só saberemos depois.
   Antes de entrarem na estrada, Wyatt, vestido de couro, com a bandeira dos Estados Unidos no capacete, nas costas e no tanque da moto, joga seu relógio fora, numa evidente alegoria de que o tempo não teria mais nenhuma importância para ele.
   Billy está de cowboy, com chapéu e jaqueta com franjas. Ao entrarem na estrada, surgem os letreiros ao som da banda Sttepenwolf, "The pusher" (o traficante). Não conseguem abrigo em motéis que se recusam a recebê-los. Acampam e fumam maconha. Param em uma fazenda para arrumar o pneu da moto de Wyatt.
   Cena emblemática: ao fundo, enquanto trocam pneu; à frente, dono da fazenda trocando ferraduras do cavalo. Nada mais claro, até ingênuo como o jogar do relógio à beira da estrada.
   No almoço, Wyatt fornece as pistas do que hoje vejo como decisivo no filme: elogia o fazendeiro por ser dono de seu terreno, de sua família grande, dono de uma liberdade invejável. O pequeno fazendeiro diz ser casado com uma católica, daí a família grande. A mulher, visivelmente uma latina, saí para pegar um café para todos, quando Wyatt diz o que pensa sobre a liberdade, a propriedade, a felicidade. Sempre suscinto, melancólico, preciso. Nas orações do almoço, vê-se que o fazendeiro é protestante, mas seu universo é mais amplo. Isto vai ser importante no decorrer do filme, em que caipiras hostilizam os dois motoqueiros, chegando até à violência, na morte do advogado George Hanson (Jack Nicholson, em papel memorável, que o revelou para o mundo) e as mortes no final.
   Mas antes do encontro com o advogado, eles dão carona a um hippie que lhes apresenta sua comunidade no meio do deserto. Há uma discussão entre os membros da comunidade sobre se devem aceitar mais moradores, porque não haveria condições. Há um clima estranho na comunidade, misto de alegria com uma preocupação sobre intrusos que poderiam trazer problemas àquela paz que não parece tão sólida assim. O próprio Billy se queixa a Wyatt que não se sente bem entre aquelas pessoas. O retrato parece honesto, mas nenhum um pouco idílico ou idealizado. Tudo caminha para o fracasso...
   Mesmo assim, são presenteados pelo líder da comunidade com pastilhas que ele diz que só devem utilizá-las em momento muito especial.
  
   O momento mais politizado do filme é exatamente o encontro com o advogado de direitos civis que encontram na cadeia. Sabemos que ele é filho de gente rica, mas um sujeito que acredita em discos-voadores e explica aos dois que a liberdade deles ofende a maioria das pessoas (leia-se norte-americanos), fazendo com que suas vidas corressem perigo. O que acabou custando à sua própria, quando resolve seguir Wyatt e Billy em sua aventura em direção ao Mardi Gras do carnaval de New Orleans. Antes de seu fim violento, o advogado alcóolatra dá-lhes um cartão de um dos mais famosos puteiros de New Orleans.
  Foi neste recinto de luxo falsificado e kitsh que o encontro com prostitutas demonstra com mais clareza a diferença de caráter entre os dois personagens: Billy se diz de Nova York e pede à Wyatt para que fique com a mais alta, buscando ir logo às vias de fato. As duas são bonitas, mas Wyatt não dá bola para sua parceira, que se queixa de seu desinteresse.
   O prédio em que estão é uma construção histórica, barroca, e se vê que Wyatt lê as mensagens nas paredes. Uma delas chama a atenção dele: "È na morte que se revela a reputação de um homem, se ele é correto ou não". Surge uma imagem que não sabemos se uma visão de Wyatt, ou um recurso narrativo do filme, mas logo saberemos que se trata de sua própria morte. Como Cristo nas oliveiras, Wyatt, o Capitão América pode ter previsto sua própria morte.
   Neste momento, Wyatt os convida para ir para as ruas, o que é acatado por todos.  É um momento do filme que registra como num documentário o carnaval de New Orleans: exuberante, dionisíaco e colorido. Mas é na sequência que o quarteto, já pela manhã, se dirige a um cemitério. Wyatt distribui as pastilhas como se fossem hóstias. Segue-se uma viagem de ácido, nenhum momento citado como a maconha em que até uma "aula" de como fumar tem na sequência do advogado. Mas a viagem não é propriamente boa, embora aspectos religiosos se destaquem. Pode-se dizer ser uma bad trip.
   O cenário do cemitério pode ter contribuído para tanto. Até uma cena de Pietá aparece, quando Wyatt está sentado no colo de uma estátua. A música, ou batida de estaca, reforça um ambiente sombrio. É uma bela sequência surrealista, um tanto assustadora, forte, erótica e mística.
   Após a experiência lisérgica, já sem as moças, os dois voltam à estrada. Não de volta à Los Angeles, mas em direção à Flórida, segundo o roteiro original, o destino deles é Key West, não citado no filme, conforme o belo livro de Lee Hill, Sem Destino (Rio de Janeiro, Rocco, 2000), que destaca o importante papel no filme do roteirista Terry Southern, que merecia mais destaque do que tem. 
   Na última parada, entre tragadas de maconha, Wyatt diz a Billy, eufórico com o que julga a vitória deles: "Nós estragamos tudo", para espanto de um Billy incrédulo.
   "Nós estragamos tudo", diz Wyatt.
   Mas, nós, quem?
   Nós, eles que buscaram um caminho livre?
   Um caminho fácil? 
   Nós, os adeptos da contracultura?
   Os hippies do deserto?
   O advogado dos direitos civis?
   Nós, quem, cara pálida?
   Quem estragou tudo?
   Apesar dos componentes religiosos no filme - lembra "Hair" no sentido da missa -, mas mais ainda a trajetória de Jesus Cristo. Hoje eu vejo que o principal foco, que talvez nem tenha sido intencional, dado às características de vanguarda do filme, premiado em Cannes, que lembra em alguns momentos o contemporâneo Glauber Rocha (talvez seja o recurso da alegoria), esteja nesta última frase do melancólico Wyatt:
   - "Nós estragamos tudo"...
   E revendo o filme, vejo com mais nitidez qual era a utopia vislumbrada desde o começo, na primeiro encontro com a família ecumênica, feliz e de bem com seu próprio destino. Ali estava o sonho não realizado, o sonho de um país que nasceu de peregrinos em busca de uma Terra Prometida, Promise Land, o sonho de uma terra llivre, de homens bravos e livres, ajustados à natureza, e de bem com Deus.
   É o american dream que facassou!...
   E a contracultura com ele, mesmo que tenha sido a última tentativa de ressuscitá-lo, mas forças poderosas o destruíram de vez, como os tiros de um caipira que impediu os motoqueiros de chegarem à Key West, como os bombardeios de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki ou de napalm no Vietnã, como as diversas e desastradas intervenções militares norte-americanas no mundo todo....
   Como na insistência em cultuarem as armas como se fossem a garantia da liberdade tão cantada, mas sempre ameaçada...
   "Easy Rider", Sem Destino, Easy Rider, caminhantes livres e soltos, leves e puros, realmente sem destino, à deriva, como um país que perdeu seu rumo e avança em direção ao abismo....
  Será esta uma boa leitura do filme?
  Ou mais uma de um filme que já nasceu clássico, que revolucionou Hollywood (veja o livro Como a geração sexo-drogas-e-rock'n'roll salvou Hollywood, de Peter Biskind, que trás detalhes deste contexto cinematográfico)?
   Não importa, neste momento, e com a ajuda de meus alunos, é a minha leitura, que pretende ser politizada, de "Sem Destino", sobre o qual pretendo rever sempre...
   Para terminar, "Sem Destino" é um filme que vale a pena ser revisto!!!...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Rockcareta in Rio - um desabafo de Luca Manhães

   Quando da primeira montagem do evento comercial conhecido como Rock in Rio (hoje uma marca mundial de entretenimento com base no rock), em 1985, um suplemento de Juventude de um jornal comunista - Voz da Unidade - publicou um texto em que acusava o evento de ser careta.
   O título do artigo era  "Rockcareta in Rio", pois entre outras coisas, dele não constavam os astros do rock nacional como Raul Seixas (ainda vivo) e Rita Lee (ainda bem viva hoje).
   Mas não era só isto: o país ainda vivia sob uma ditadura e não havia nada, nada mesmo, no evento, que mostrava o impacto que havia sido Woodstock. Era - e ainda é - apenas um evento comercial, mesmo que algumas bandas de rock interessantes possam dele ter participado em suas várias edições. Nada contra a motivação de lucro que rege os objetivos de um empresário bem sucedido como Roberto Medina. O problema é vender gato por lebre.
   Para confirmar o artigo assinado por Luca Manhães, naqueles longínquos anos 80, a caretice agora toma conta de uma iniciativa apoiada pela Rede Globo de Televisão, que lucra também com o evento, foi a gravação de uma música que se diz contrária às drogas. Nada contra também chamar atenção do quanto o consumo de drogas pode ser perigoso.
   Como dizia Timothy Leary, um professor polêmico de Harvard que se tornou um guru da contracultura: "Sou 100% a favor do uso inteligente das drogas, mas 1000%  contra do uso burro"; dizendo-se totalmente favorável à descriminalização das drogas.
   Polêmicas à parte, droga é assunto muito sério para ser tratado com leviandade (vale a pena ver o filme já comentado neste blog, "Quebrando o Tabu"). O pior é o oportunismo como tem sido tratado o tema nesta campanha publicitária do evento. E com a mais desvalada demagogia.
   Para piorar o quadro cultural de tal evento, a coisa ainda piora, quando se tenta substituir o já problemático slogan da contracultura, "sexo, drogas & rock'n'roll" por "sexo, atitute & rock'n'roll"; ou, mais falacioso ainda: "sexo, família & rock'n'roll".
   É muita cara de pau. Ridículo, se não fosse cômico....
   Diferente da animação baseada nos personagens de Angeli,  Woody e Stock, que levou o título, por uma questão de idade dos personagens, de "Sexo, orégano & rock'n'roll". Onde existe graça - além da crítica, sempre bem-vinda - , aqui existe uma tentativa babaca de se apropriar de um momento histórico revolucionário para acrescentar algo que nada esclarece, só confunde.
   E, é claro, com objetivos apenas comerciais, sem nenhum compromisso com qualquer mudança.
   E ainda falando em meio-ambiente!!!...
   Pura demagogia.
   Não fui em 1985, quando era mais jovem, não vou em 2011, já um tanto cansado de tantas derrotas, em um evento tão careta que depõe contra as bandas que dele participam só para ganhar dinheiro.
   E, alíás, quem deveria participar deste evento deveria ser Justin Bieber fazendo dueto, como uma dupla sertaneja, com Luan Santana, o Wagner Moura vesgo.
   Só um esclarecimento aos leitores atentos deste blog: quem escreveu este desabafo não foi o dono do blog, que supõe ser mais sério do que este colaborador eventual, mas foi um espaço gentilmente cedido a mim, filho de Manguari Pistolão, Luiz Carlos Manhães, mais conhecido como Luca Manhães, autor do desabafo no jornal Voz da Unidade em 1985, o que levou a uma repercussão tal que até o jornal Folha de S. Paulo entrevistou na época Salomão Malina, secretário-geral do PCB, sobre o artigo tão virulento, um tanto contraditório para um partido político que lutava por sua legalidade. E Malina, com toda sua elegância de um revolucionário vivido, respondeu: "os jovens escrevem o que querem no suplemento Juventude do Voz da Unidade". E era quase verdade que se podia escrever tudo no suplemento, apesar dos esforços de seu editor, o grande jornalista Sérgio Kraselis.
   O jornal comunista não existe mais, Salomão Malina, grande combatente da democracia e do socialismo,  já morreu, mas o Rock in Rio continua sendo o que sempre foi, uma caretice brega travestida de modernidade e rebeldia.
   E agora com campanhas moralistas, aquelas que tanto agradariam Ronald Reagan, Richard Nixon e todo o Tea Party juntos...
   Tô fora!!!....
                                                                                                                    (Assinado: Luca Manhães)
  
  

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Solar da Fossa, uma pensão que dá o que pensar (sobre a contracultura no Brasil)

   É do compositor Zé Rodrix, talvez, a melhor definição do Solar da Fossa, nome que recebeu a Pensão Santa Terezinha, casarão na cidade do Rio de Janeiro em que habitaram na mesma época, vários jovens criativos que marcaram a cultura brasileira: "Não se sabe como nem porque, em algum momento de 1966, várias pessoas interessantes resolveram morar no mesmo lugar. E havia espaço para todas"...
   Esta declaração consta do livro "Solar da Fossa - Um território de liberdade, impertinências, ideas e ousadias", de Toninho Vaz (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2011), que conta a história deste espaço que no final dos anos 1960 reuniu compositores, artistas, hippies, que moravam em pequenos apartamentos alugados, enquanto se dedicavam à diversas áreas da criação, da música ao teatro, convivendo com jovens descolados de suas famílias a companhia de circo.
   Histórias de amores, dos que terminavam e dos que começavam, de sexos barulhentos, até de perseguição policial, fazem deste livro um prato cheio para se refletir sobre a contracultura no Brasil.
   Pode-se dizer que o Solar da Fossa, nome por si só ao mesmo tempo criativo e revelador de um certo estado de espírito que sondava aqueles jovens, na faixa dos 20 anos, que buscavam uma vida alternativa e viviam uma experiência de comunidade em um local aprazível, no bairro do Botafogo, depois do túnel. 
   E que marcou uma época, tornando-se um espaço mítico, onde obras-primas foram criadas - como "Sinal Fechado", de Paulinho da Viola; "Alegria, Alegria", de Caetano Veloso e "Catatau", de Paulo Leminski, que iniciou a livro ali, concluído em 1975 - , mas principalmente de um ambiente favorável à criação e à ousadias no comportamento, sexo e drogas entre eles, e na busca de uma expressão compatível com as utopias que circulavam internacionalmente entre os jovens que aderiam a uma perspectiva conhecida como hippie.
   O livro de Toninho Vaz, que já escreveu biografias de Paulo Leminski e Torquato Neto, preenche uma lacuna importante em sua pesquisa sobre uma casa que não foi tombada do ponto de vista arquitêtonico, mas foi derrubada nos anos 1970 para dar lugar a um dos maiores shoppings do Rio de Janeiro. Um irônico destino para um espaço alternativo ao consumismo e aos templos do capitalismo, inclusive com obras subversivas enterradas em seu jardim para não guardar provas para a repressão da ditadura militar em sua fase de recrudescimento.
   Mesmo não tendo, e não se propondo profundidade na análise, e até com pelo menos um erro factual - o discurso de Caetano Veloso diante de uma platéia enfurecida com ´'É proibido proibir" foi no Tuca em São Paulo e não no Maracanãzinho como registrado na página 118 - o livro já se torna uma referência obrigatória para os que estudam o período de uma perspectiva histórico-cultural.
   Tem razão o autor quando registra que "o ano de 1968 foi um divisor de águas - não apenas no Solar, mas no mundo ocidental" (p. 103), e suas histórias, grande parte fruto de registros orais durante sua pesquisa, demonstram que foi realmente um período de buscas ousadas, algumas arriscadas, mas na maioria das vezes, originais e antecipadoras.
   Curioso isto, como pessoas se reunem em um único local, no caso, simplesmente para morarem, mas o contágio criativo se torna inevitável, como demonstrou Caetano Veloso em verso: "Mandei plantar/ folhas de sonho no jardim do solar..."
   Os livros preferidos por aquela gente excêntrica e criativa eram Eros e a civilização, de Herbert Marcuse; Sexus, de Henry Miller, e Quarup, de Antonio Callado. Sem falar, é claro, de Aldous Huxley, e para os mais sofisticados, Tristes trópicos, de Claude  Lévi-Strauss... Na verdade, neste caso, segundo o autor, uma artimanha bastante comum para a sedução, o de convidar uma amiga para ler junto o livro que nunca se terminava de ler, "e às vezes, nem chegava a começar"... Tudo em nome do amor, principalmente o livre...
   Então, o "fossa" do apelido da pensão, talvez fosse mais um charme do que um diagnóstico verossímel. Como diz o jornalista Ruy Castro, que lá morou no período, em apresentação do livro em que contou com sua preciosa participação, apesar de ser hoje um crítico conservador daquelas bandeiras que abraçou um dia:
   -  "Fossa, para os meninos do Solar, era um vago e ocasional tédio, meio sem explicação, rapidamente sufocado pela urgência dos livros, canções, peças, filmes e novelas que eles sonhavam escrever, compor, encenar, dirigir ou estrelar".
   Pode-se dizer que o Solar da Fossa equivale para o Brasil o que foi o Hotel Chelsea em Nova York, em que circulavam Jimi Hendrix, Janis Joplin, os autores de Hair, e tantos outros, registrado neste excelente livro de Patty Smith, que ali vivia com Robert Mappelthorpe: Just kids, aqui traduzido e publicado pela Companhia das Letras como Só garotos.
   É como -  só para fazer uma comparação grosseira, mas pertinente -  se Gal Costa escrevesse um livro sobre sua experiência no Solar da Fossa, onde ela realmente morou por volta de 1969, sobre uma tentativa de construir uma história de amor com Hélio Oiticica, que obivamente não ocorreu pelo que sei, e nem o livro sugere, é claro, mas que também frequentava, sem habitar, o mítico Solar... Aliás, Oiticica fez a capa de um dos discos mais ousados de Gal Gosta, de um show que ela fazia em uma garagem próxima ao Largo do Arouche, que eu vi quase dez vezes, acompanhada pelo Som Imaginário, de Zé Rodrix, em 1971, e saia encantado quando ela se despedia de mim dizendo "tchau, neguinho"...
   O Solar da Fossa era, na verdade, um caldeirão criativo da contracultura brasileira.... E, com certeza, vai inspirar mais obras, mais livros, filmes e músicas. Um livro delicioso de ler, mesmo que com algumas imprecisões, e até certa superficialidade inevitável; mas  inspirador sem ser nostálgico, uma referência obrigatória para este final de férias...
   Fossa, no sentido negativo, é não ter memória, é não preservar as curtições do passado para gerar criações no futuro... E este livro de Toninho Vaz cumpre bem sua missão, resgatar um dos períodos mais criativos da cultura brasileira, das origens de uma contracultura no Brasil...

quinta-feira, 7 de julho de 2011

I Congresso Internacional de Criatividade.Inovação

   Foi realizado entre os dias 29 de junho e 1º de julho de 2011, na cidade de Manaus, Amazonas, nas dependências da Unversidade Federal do Amazonas, o I Congresso Internacional de Criatividade e Inovação - Visão e Prática em diferentes contextos (I International Creativity and Innovation Conference: Practices and Visions). Promovido pela Associação Brasileira de Criatividade e Inovação (CRIABRASILIS), em associação com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), reuniu vários pesquisadores de várias partes do Brasil e do mundo para discutir em ambiente acadêmico as diversas possibilidades que envolvem a criatividade, tanto em uma perspectiva histórica quanto, principalmente, sua atualidade desde os anos 1950, em que o tema se tornou uma agenda essencial.
   Reunindo artistas, escritores, pesquisadores, administradores, trouxe para o Brasil o que antes era exclusividade de encontros, como os que se realizavam na Universidade de Buffalo (Estado de Nova York), durante os anos 1990, através dos vários CPSI - Creative Problem Solving Institute, ou em iniciativas isoladas, como as realizadas nas dependências da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP/SP, sob coordenação do Professor Victor Mirshawska, um dos pioneiros no tema no Brasil.
   Neste período, também se destacou uma pesquisadora da PUC - Campinas, que realiza uma pesquisa sobre criatividade há mais de trinta anos, e presidiu, assim como foi uma das principais organizadoras, deste Congresso: Profa. Dra. Solange Muglia Wechler, que também não apenas presidiu o encontro, como realizaou a conferência de encerramento. Autora de um livro já clássico sobre criatividade - Criatividade: Descobrindo e Encorajando (Campinas, SP: PSY, 1993), a professora Solange também participava dos encontros de Buffalo, onde tive a oportunidade de assistir uma de suas palestras. Em seu PHD na Universidade de Geórgia, EUA, sob orientação do Dr. E. Paul Torrance, um dos papas da criatividade desde os anos 1950, na mesma Universidade, Wechler consegue agora sua maior proeza, com apoio da UFAM: realizar um grande e internacional encontro no Brasl, e melhor ainda, nas margens de um rio que desemboca no Amazonas, contando com a participação, além de brasileiros do Brasil todo, de pesquisadores norte-americanos, italianos, espanhóis, portugueses, etc. Também destaca-se nesta empreitada, além dos vários apoios, a participação de Regina Lara S. Mello, atual presidente da CRIABRASILIS. Um primeiro passo, mas que deverá consolidar nos próximos anos uma referência na área, incorporanto várias outras instituições brasileiras, e não apenas acadêmicas.
   O Congresso pode contar, já em sua abertura oficial, com a participação do Dr. James Kauffman, da Universidade da Califórnia, São Bernardino (Califórnia State University at San Bernardino), Estados Unidos, que versou com humor sobre "The creative journey: from mini-c to Big-C", expondo como a creatividade pertence à nossa vida em todos os momentos, das pequenas soluções  criativas para os problemas do dia-a-dia (mini-c) até como interfere em nossas vidas as grande descobertas, de um Einstein a um Mark Zurkenberg, do Facebook (Big-C).
   Uma programação intensa, que obviamente, exigiu uma edição pessoal, para acompanhar as áreas de interesse mais específicas. Eu tive a honra de coordenar uma mesa-redonda intitulada "Inteligência, Criatividade, Contracultura", representando o programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie (EAHC-UPM), com a participação das pesquisadoras Sylvia Monasterios, que apresentou o tema "Inovação e Criatividade na Arte Urbana: o Graffiti de São Paulo" (mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie (EAHC-UPM), e Isabel Orestes Silveira, que falou sobre "Inteligência: Pensamento Criativo e Complexidade" (doutora pela PUC-SP e professora no Mackenzie). Minha participação se deu com a apresentação "As Portas do Céu e do Inferno - Inteligência, Criatividade, Contracultura".
   Uma mesa-redonda que se realizou no dia 1º de julho, próxima do encerramento do encontro, que contou com uma apresentação da Profa. Solange, desejando que muitos outros encontros se realizem, com a participação e representatividade como foi este.
   Que neste século XXI, que será o século do cérebro, da inteligência e da criatividade, muitos outros congressos como este possam se realizar, permitindo que vários pesquisadores, de várias áreas e interesses, possam se reunir para refletir sobre as perspectivias históricas, assim como sobre as possibilidades de futuro...